EDIÇÃO 253 / AGOSTO / 2022
O folclore é facilmente entendido como o cotejo de lendas de um lugar. Mas é mais que isso, o folclore é a parte da cultura popular em que está preservada a identidade social de um lugar. As danças, as comidas típicas, as festas populares, a músicas, as artesanias, as lendas, a religiosidade, tudo isso é parte da cultura popular de um lugar e também caracteriza o folclore de um povo. Aqui temos muitas lendas, tradições e ancestralidades que caracterizam o litoral praieiro, contudo, muito da cultura popular folclórica se perdeu com o passar dos anos e com o esmagamento cultural oriundo do movimento dos veraneios, e por força da absurda e sistemática falta de políticas públicas de cultura. Também muitos ritos folclóricos foram incorporados à cultura praieira vindos nessa esteira migratória. Conseguimos identificar lendas bastante conhecidas e reverberadas pelas nossas areias, como a Lenda das Duas Cruzes, a Lenda da Figueira dos Sonhos, a Lenda do Boto, o Mãozão, o Lobisomem, o TucTucão. Além das lendas temos resgatado o Auto do Boizinho da Praia, que permaneceu em desuso por muitos anos e hoje é parte viva da nossa comunidade. Temos Procissão de Nossa Senhora da Saúde e da Iemanjá, os Ex-votos, a Bandeira do Divino, Festa de Iemanjá e os Ternos de Reis e Juninos. As tradicionais mobílias de palha, que tem se perdido em meio aos móveis modernos, quase inexistem; as esteiras de praia, a arte em conchas, artesanato de palha de tiririca, o chapéu de palha trançada. Não podemos esquecer da culinária ímpar da beira da praia, pastel de marisco, arroz de marisco, nego-deitado de camarão, papa-terra e peixe-rei frito.
Essa lista enorme de hábitos, costumes e histórias nossas compõem o folclore praieiro. Assim como pesquisas e descobertas da ancestralidade indígena praieira que evidenciam o uso das Conchas como forma de comunicação e ritualística, trazendo mais um riquíssimo elemento para o nosso folclore majestoso e diverso.
No mês do folclore podemos comemorar a diversidade de nossas tradições e hábitos culturais, mas também precisamos denunciar a falta de políticas de preservação das nossas raízes, o comportamento combativo contra a cultura popular e local, o fomento contínuo á artistas de outros municípios e a exploração e desvalorização dos artistas da praia.
Em todos os lugares do mundo assistimos as cidades contarem suas histórias e mostrar ao mundo o que tem de melhor. Aqui parece que a banda toca ao contrário e apenas o que vem de fora é valorizado. Os artistas da praia veem seu trabalho reconhecido fora daqui e nossas ferramentas de cultura continuam trabalhando para deslegitimar as ações dos artistas e retardar o avanço das políticas públicas. Mais uma vez perguntamos: qual a razão disso? Não dá pra entender!!! Mas essas práticas recorrentes já estão no patamar de lendas.
Agora parece que acertamos o passo. A Cyntia Fachel é uma pessoa engajada com os coletivos culturais e promete impulsionar as políticas públicas municipais. Bem vinda Cyntia. Parabéns Elimar pela escolha.

EDIÇÃO 252 / JUNHO

Já passei por várias fases na minha vida. Todas elas aqui em Cidreira. Já quis morar em outro lugar, quis pertencer a outra cidade.
Entretanto sempre vivi na praia, estar e viver aqui sempre estiveram presentes na minha fala, na minha poesia e nas minhas memórias, não escolhi Cidreira, ela me escolheu e embalou todos os meus sonhos.
Assim como o vento varreu vários sonhos, trouxe também muitas histórias e encantos. Esse é o meu lugar. Dessa forma deixo meus versos, inspirados em caminhadas na praia e na nossa relação com o mar e seus mistérios.
É no Mar...
O povo praieiro
se ergue na beira do mar
E lá na praia
que a mãe vem abençoar

É no mar... É no mar...
Que a marisqueira vai dançar
É no mar... é no mar...
Onde o ofício é pescar
É no mar... é no mar...
Mãe Iemanjá eu vou saudar.

Deitar promessas nesse mar
Dançar a dança das marés
Deixar a luar encantar
Olhar pegada se apagar
Ver a areia levantar
E em outra forma se deitar
É no mar...

É no mar de Cidreira que a gente da beira se ergue e luta, resiste. Se constrói e desconstrói; e, permanece. Sou marisqueira orgulhosa do meu lugar. Viva Cidreira!


EDIÇÃO 251 / MARÇO / 2022

É MAIS QUE NECESSÁRIO RESISTIR PARA SOBREVIVER

Existem vários tipos de resistência. A resistência física, ao ser internalizada, torna o corpo forte e resistente às intempéries, um corpo que se recupera. A resistência externa, aquela que frente á um desastre se coloca como barreira para evitar os danos permanentes. Existe também a resistência interna ou virtual, que é aquela que te faz pensar sobre determinadas ideias, ações e reações e te fortalece para que mantenhas teus princípios, teus valores. Segundo Tatiana Roque (2009):
"Na palavra resistência há, antes de tudo, o prefixo re, que aponta para uma duplicação, uma insistência, um desdobramento, uma dobra, "outra vez". Do que o segue, lemos um substantivo derivado do verbo sistere: parar, permanecer, ficar, ficar de pé, estar presente. A esse verbo se associa também a stantia da palavra resistência, que invoca a estadia, ideia perfeitamente expressa pela transitoriedade do verbo estar, uma das preciosas singularidades do português. Até aqui, portanto, RESISTIR É INSISTIR EM ESTAR - EM PERMANECER, EM FICAR DE PÉ. Este sentido possui seus ecos também na linguagem usual, onde resistir pode significar reerguer-se, ressurgir, dar a volta por cima".
Nesse sentido, é que as pessoas se identificam com a palavra e com os movimentos oriundos dessa palavra/ação. Porque não se trata apenas de uma palavra, é o movimento dos Movimentos. Sem resistência não há movimento. A resistência não indica estagnação, indica pequenos movimentos simbólicos que fazem ressoar ideias. A mesma autora disse que: "No sentido corriqueiro, resistir é sempre resistir contra ou resistir a. Ou seja, é se opor ou suportar: é, em suma, lutar, coexistindo ou sucedendo certo exercício de poder. Mas é também resistir à tentação, manter-se firme diante de uma força contrária". E é no mais puro sentido de coexistência que me identifico com os movimentos de resistência. A resistência não é uma escolha, é uma necessidade. Assim como o filósofo francês Cavaillès, afirmo que não posso existir e nem agir de outra forma. Quando outras existências querem ferir ou exterminar outras existências. A resistência sempre foi minha forma de agir porque é necessária. Porque preciso ficar de pé, preciso estar, e estarei. Como sempre.
Conheço muitas figuras de resistência, cada uma na sua arena. Conheço mães que resistem ao preconceito por serem solteiras. Mães de crianças com deficiência que resistem às ferramentas normativas e lutam por dias e pessoas melhores. Conheço professoras que resistem a total falta de respeito pela sua profissão e ação docente. Conheço famílias que resistem, diariamente, ao esmagamento social que quer obrigar todos e todas a se submeter à farsa da família tradicional brasileira. Conheço mulheres abusadas e agredidas que resistiram a humilhação da denúncia, ao escorraço da sociedade e aos ferimentos da alma. Tudo isso movimenta os Movimentos. Sem essas muitas resistências não conheceríamos outras formas de amar, outras formas de viver e ver o mundo. A resistência não é cruzar os braços e achar ruim o governo dos outros. A ação de enfrentamento e oposição caracteriza a resistência. Sigamos enfrentando.
Cá estamos, como sempre, fazendo frente ao indigno, ao que mata, ao que quer exterminar existências diferentes. Sou mulher, mãe, artista, professora e, portanto, resistir não é uma escolha. É, absolutamente, necessário.
Sigo, resistindo.


EDIÇÃO 250 / JANEIRO / 2022


Não é novidade o festival de ataques realizados por vereadores na Câmara, em todas as sessões. Há pouco tempo, foi a cultura que ganhou a atenção destrutiva desse colegiado. Os trabalhadores e trabalhadoras da cultura, representados pelo Conselho Municipal de Cultura, depois de muita discussão, debate e reuniões prévias, conseguiram que o executivo enviasse para a aprovação da Câmara o Plano Municipal de Cultura.
Com bastante surpresa, vimos o que deveria ser a habilitação e regularização municipal de Cidreira para receber recursos para o Fundo de Cultura virar uma palhaçada, um palanque onde os cultos e alguns tradicionalistas passaram a atacar o trabalho feito e a cancelar os textos construídos no coletivo. Com qual intuito? Boa pergunta. Nenhum desses no momento da Conferência de Cultura, fórum legítimo para discussão do plano de cultura e diretrizes para a condução da valorização e potencialização dos atributos culturais da nossa praia.
Bom, resumo feito, o projeto de lei foi devolvido ao executivo, pois faltavam assinaturas. E daí, tudo parou. Prefeito renunciou, vice assumiu, secretaria mudou e a cultura que estava sem diretor, permaneceu sem gestor. E os projetos? Sem parecer, sem conhecimento ao Conselho. Assustadoramente, essa gestão e legislativo parecem, além de não dar nenhuma importância para a cultura e seus trabalhadores, também não tem nenhum compromisso em tornar a cidade apta, legalmente a acessar verbas que viabilizem o potencial cultural da praia. Pior que isso, recusam-se enfaticamente a criar as ferramentas legais e rejeitam orientações e deliberação do Conselho responsável por tal tarefa. Em vez de fazerem o trabalho de legislar, querem ser conselheiros, querem saber mais que os artistas, querem se manter irregulares, escolhem fazer o oposto do que as políticas públicas orientam. Fazem isso, sem conhecimento de causa, sem ouvido e sem nenhuma disposição de entender que os caminhos percorridos pelo Conselho são legítimos. Impedem as comunidades da praia de acessar bens culturais e agridem, desdenham e duvidam das qualificações de quem sabe mais.
Parece que temos muito passado pela frente, ainda. Inexplicavelmente negam a comunidade o direito de crescer intelectual e culturalmente. A luta segue. As ações permanecem. A história não perdoa. E quem cuida da memória é a cultura. Não esqueceremos e nem deixaremos que a comunidade esqueça de quem persegue, nega direitos e agride a comunidade.
Como diria o Luli, se ainda estivesse por aqui: “Sou Cidreirense e não desisto nunca”, 2022 começa agora!

 

EDIÇÃO 249 / NOVEMBRO / 2021


II CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE CULTURA
Em mais uma ação efetiva do Conselho de Cultura realizamos um conferência de cultura que garantiu ampla participação dos artistas. O evento ocorreu, ineditamente, de forma híbrida e foi todo transmitido pelo facebook, oportunizando que toda a comunidade interessada participasse e assistisse.
Ainda assim, não foram vistos membros do legislativo que tanto criticaram o trabalho realizado pelo conselho, nem mesmo os ofendidos pelo Plano Municipal de Cultura, numa clara demonstração de que o intuito nunca foi construir e sim destruir. Nenhum dos senhores e senhoras preocupados com a cultura da praia vieram contribuir.
Mas quem veio, aprendeu, ouviu falas de representantes do Estado, expoentes da cultura popular e tradicionalista da nossa região.
A conferência foi competente, foi democrática. Ali mesmo foi eleita a nova gestão do Conselho de cultura que já saiu trabalhando.
Parabéns aos Conselheiros e Conselheiras e aos envolvidos no Projeto da Conferência, que apesar de todos os entraves conseguiram realizar um evento de qualidade e referência.

LEI ALDIR BLANC: RESULTADOS
Quem acompanha as redes sociais do Departamento de Cultura tem visto que o trabalho construído com competência tem resultado. Os vídeos produzidos pela Casa da Cultura do Litoral que realizou a produção dos artistas contemplados com os recursos da Lei Aldir Blanc, ficaram lindos e estão mostrando para a comunidade todo o potencial que nossos artistas têm. A publicação sistemática dos vídeos dá visibilidade aos relatos de trabalho dos nossos artistas e conta um pouco de cada um de nós. Cabe lembrar que esse trabalho foi construído com muito esforço do Conselho de Cultura e da Casa de Cultura do Litoral, que precisaram enfrentar os não saberes, as birras, os erros primários e as omissões descaradas. Pois antes da Lei não existia nem mesmo cadastro municipal de artista. Esse cadastro não é ideia milagrosa, foi exigência para que a Lei se concretizasse, caso contrário os artistas não receberiam os recursos.
Sem a luta dos conselheiros e conselheiras e sem a ação da Casa de Cultura do Litoral, não haveria Lei Aldir Blanc em Cidreira, assim como não houve a contemplação do Edital de Coinvestimento, entre outros, que dependia da aprovação das Leis da Cultura que não foram aprovadas até hoje.

COMEMORAR E APLAUDIR
É tempo de comemorar os feitos do ano, fizemos muito. Muito ainda precisa ser feito. Conquistamos muito, mas ainda precisamos de mais. Aplausos para as boas ações, para as novas parcerias, para a boa luta. Que venham novos feitos e que toda a luta seja recompensada. Viva a cultura viva!



EDIÇÃO 248 / AGOSTO/2021

O FOLCLORE E A CULTURA POPULAR

O folclore é facilmente entendido como o cotejo de lendas de um lugar. Mas é mais que isso, o folclore é a parte da cultura popular em que está preservada a identidade social de um lugar. As danças, as comidas típicas, as festas populares, a músicas, as artesanias, as lendas, a religiosidade, tudo isso é parte da cultura popular de um lugar e também caracteriza o folclore de um povo.
Aqui temos muitas lendas, tradições e ancestralidades que caracterizam o litoral praieiro, contudo, muito da cultura popular folclórica se perdeu com o passar dos anos e com o esmagamento cultural oriundo do movimento dos veraneios, e por força da absurda e sistemática falta de políticas públicas de cultura. Também muitos ritos folclóricos foram incorporados à cultura praieira vindos nessa esteira migratória. Conseguimos identificar lendas bastante conhecidas e reverberadas pelas nossas areias, como a Lenda das Duas Cruzes, a Lenda da Figueira dos Sonhos, a Lenda do Boto, o Mãozão, o Lobisomem, o TucTucão. Além das lendas temos resgatado o Auto do Boizinho da Praia, que permaneceu em desuso por muitos anos e hoje é parte viva da nossa comunidade. Temos Procissão de Nossa Senhora da Saúde e da Iemanjá, os Ex-votos, a Bandeira do Divino, Festa de Iemanjá e os Ternos de Reis e Juninos. As tradicionais mobílias de palha, que tem se perdido em meio aos móveis modernos, quase inexistem; as esteiras de praia, a arte em conchas, artesanato de palha de tiririca, o chapéu de palha trançada. Não podemos esquecer da culinária ímpar da beira da praia, pastel de marisco, arroz de marisco, nego-deitado de camarão, papa-terra e peixe-rei frito.
Essa lista enorme de hábitos, costumes e histórias nossas compõem o folclore praieiro. Assim como pesquisas e descobertas da ancestralidade indígena praieira que evidenciam o uso das Conchas como forma de comunicação e ritualística, trazendo mais um riquíssimo elemento para o nosso folclore majestoso e diverso.
No mês do folclore podemos comemorar a diversidade de nossas tradições e hábitos culturais, mas também precisamos denunciar a falta de políticas de preservação das nossas raízes, o comportamento combativo contra a cultura popular e local, o fomento contínuo à artistas de outros municípios e a exploração e desvalorização dos artistas da praia.
Em todos os lugares do mundo assistimos as cidades contarem suas histórias e mostrar ao mundo o que tem de melhor. Aqui parece que a banda toca ao contrário e apenas o que vem de fora é valorizado. Os artistas da praia vêem seu trabalho reconhecido fora daqui e nossas ferramentas de cultura continuam trabalhando para deslegitimar as ações dos artistas e retardar o avanço das políticas públicas.
Mais uma vez perguntamos: qual a razão disso?
Não dá pra entender!!! Mas essas práticas recorrentes já estão no patamar de lendas.
Será que tem um elemental nervosinho que mexe com as ideias dos gestores contra a cultura?



EDIÇÃO 247 DE JULHO DE 2021

 

EDUCAÇÃO À LA CARTE

A educação é pouco valorizada e os investimentos governamentais nunca são em aporte o suficiente para garantir estruturas e qualidades necessárias. Nesse processo também contamos para o sucateamento com a superproteção familiar e a interferência constante de áreas no funcionamento da educação escolar.
Em matéria de saúde, os médicos são respeitados e tem a palavra final acerca de tratamentos ou diagnósticos. Quando o assunto é construção de casas, os engenheiros determinam materiais, medidas e recursos necessários. E assim é em todas as profissões, ou era. Todos esses profissionais cometem erros, as vezes matam pessoas, mas dificilmente são questionados ou tem seu saber loteado tal qual acontece com o trabalho dos professores.
Antes mesmo do advento dos terraplanistas ou dos que duvidam de vacinas ou inventam tratamentos médicos ineficazes, os professores já tem que lidar com famílias que não suportam ver seus filhos contrariados ou que pensam saber mais que os mestres. Isso pode acontecer? É claro que sim, pois ninguém, repito, ninguém detém todo o saber em si. Ocorre que algumas famílias se julgam no direito de escolher quais conteúdos seus filhos podem ou não ver na escola.
Querem criar um cardápio de conteúdos aceitáveis e reclamam com as equipes pedagógicas quando o conteúdo escolar dado não está de acordo com os seus gostos pessoais. Tentam de todas as formas conduzir o trabalho docente como se estivessem recebendo um serviço à la carte, onde podem escolher o que querem ou não. Tratam professores e equipes pedagógicas como garçons que erraram o pedido.
O que mais preocupa são os motivos dados para as reclamações, é porque não gostam ou não concordam com determinados conteúdos. Como se tivessem o direito e conhecimento pedagógico necessário para determinar como os professores devem ou não trabalhar.

 
Vivemos o tempo das aulas online, dos cadernos prontos e ainda assim os métodos e conteúdos organizados em leis que regem a educação são passíveis de questionamentos constantes.
O que querem essas famílias para os seus filhos? Crenças cegas e fundamentalistas? Teorias ultrapassadas e nenhuma chance de construírem conhecimento autônomo?
Enquanto for permitido que famílias questionem professores como se esses não tivessem autoridade pedagógica para lecionar a educação continuará esse caos que só aumenta.
Escola não serve pra socializar, professores não são substitutos dos pais. A escola não é uma extensão da casa e nem tem a obrigação de ser, não é lugar de assentir com todas as vontades das crianças. Escola é lugar de ensino, de aprender sobre o que não está na oralidade familiar. Escola é caminho, é percurso. Não é local de prevalecer a vontade dos pais. Não devemos confundir acolhimento com subserviência. Professores não são garçons, e quando planejam as aulas, não constroem um cardápio. É um roteiro. Aprende quem quer, nesse caminho. Mas quem mais precisa aprender são essas famílias que acreditam ter o poder de escolher o que seus filhos vão ver na escola.
A educação não é self service, é construção social e tem profissionais para isso. A educação familiar é que deve ser preocupação das famílias, assim os professores não precisam ensinar a não bater, a não gritar, a permanecer no seu lugar e a ouvir os mestres. Essa educação tem sido esquecida pelas famílias que tentam cercear a ação dos professores antes de educar seus filhos. As famílias parceiras desculpem esse desabafo, esse texto não pretende generalizar, apenas chamar a atenção para aquelas que não respeitam os professores.

EDIÇÃO 246 DE JUNHO DE 2021

CARACOLAS DE VENTO: ANCESTRALIDADE ORIGINAL PRAIEIRA

O que são caracolas?
Caracolas são Conchas Marinhas.
E o que as caracolas/conchas tem a ver com a nossa cultura praieira? Tudo.
Em diversas culturas indígenas, as conchas soam em reverência aos deuses, espíritos da natureza e para convocar conselhos e reuniões importantes.
Nosso ancestrais, os Carijós, também faziam usos das conchas para muitas coisas. Os poucos vestígios encontrados nos restos dos Sambaquis do Litoral Praieiro, mostram que os Carijós eram moluscadores e que migravam para a beira da praia nas estações mais quentes para moluscar e pescar.
Os sambaquis, também conhecidos como Concheiros ou Casqueiros, eram grandes montes de conchas, onde esses indígenas depositavam os restos da moluscagem, seus mortos, utensílios de uso diário e grandes conchas/caracolas. Algumas pareciam ser utilizadas como vasilhas e outras eram decoradas e tinham as pontas cortadas.
Os Carijós, eram amigáveis e por isso estavam sempre atentos aos navios que aportavam no nosso litoral. As aldeias, conforme relatos jesuítas, eram mais próximas da água doce, e se tratavam de tocas grandes, onde cabiam pelo menos 3 casais e seus filhos, cobertas por folhas de Juçara e Palha de Tiririca. Essas tocas serviam de abrigo para o vento insistente do dia e da noite.

 

 
Considerando as distâncias percorridas pelos moluscadores para a beira da praia, os indícios e as lendas Carijós apontam para o uso das Caracolas como trombetas anunciadoras e convocatórias. Os homens e mulheres que se deslocavam para a beira levavam consigo porongos com água doce e uma grande concha para anuciar sua chegada na beira mar e também seu retorno. Assim como na aldeia as famílias também usavam essas conchas para chamar os marisqueiros para o sol poente. Lendas Carijós contam que quando os caçadores iam á caça ou para a guerra, saiam da aldeia ao Som do Sopro das conchas tocadas pelos Pajés, para que não morressem na jornada e voltassem com saúde.
As pesquisas na oralidade e na memória popular, mostram que as raízes das cerimônias de anunciação dos encontros dos povos originários, desde a beira do nosso mar até os altiplanos andinos da nossa latinoamérica são convocadas pelo soar das conchas.
As caracolas de ventos são instrumentos primitivos que residem na memória e nos costumes indígenas dos povos que nos antecederam. Então que soem as Caracolas e que nossa memória não se perca, como se perderam os nossos sambaquis e os nossos ancestrais.

Edição 245 de abril de 2021

A VOLTA ÀS AULAS DA MORTE

Muito se lê, ouve e fala sobre a volta às aulas e seus benefícios psicológicos, sócio econômicos e emocionais para os alunos, também para os pais. Contudo, ninguém está falando sobre os potenciais agravamentos dos riscos que a comunidade escolar como um todo vai estar exposta. São muitos os riscos mascarados sob a falácia de que temos que pensar no aluno. Estamos pensando nas crianças quando a proposta é que ela fique na escola 3 horas corridas, sem intervalo? Estamos promovendo que aprendizagem emocional, quando a proposta é que elas permaneçam sentadas de máscara e sem interação com os colegas e professores, ainda que estejam todos na mesma sala? Qual seria o aprendizado para eles, caso tenham tosse ou gripe e sejam mandadas de volta pra casa antes de entrar no portão? Que abordagem pedagógica estaremos usando quando propomos que crianças não brinquem e não compartilhem nenhum material?
Essas perguntas podem ser bobas, mas quem está diariamente na escola sabe que a construção do ser social se dá no compartilhamento de abraços, materiais, atividades coletivas e afetivas. Estamos há um ano sem abraços para a segurança de todos. Será que levar crianças para um local onde estarão acompanhadas de seus amigos e colegas, mas privadas de se manifestar socialmente é bom para seu desenvolvimento psicológico? E o que queremos ensinar sobre preocupação e cuidado quando vamos promover a aglomeração de crianças que ainda nem tem vacina para se protegerem? Isso é se importar com as crianças? Lançar suas vidas contando com a sorte?
Se temos crianças com fome, que sejam ofertados alimentos para elas. Se tem famílias que não podem cuidar de seus filhos por causa do trabalho, melhorem as leis trabalhistas, aumentem o salário mínimo. Reduzam impostos e baixem os preços da cesta básica.
A escola não dá conta disso. A função da escola não é reparar crianças para os pais trabalharem e nem alimentar crianças vulneráveis. A escola também não faz tratamento psicológico para curar traumas de crianças que sofrem abusos em casa. São outras esferas da gestão pública que deveriam estar cuidando disso.


Estamos vivenciando um tempo sem precedentes, que mostram que essas tentativas desesperadas de voltar a normalidade, à força e sem agilizar a vacinação de toda a população, resulta na morte precoce e inconcebível de muitas pessoas. No mundo inteiro isso aconteceu, porque estamos pagando pra ver, deliberadamente?
Qual é a verdade atrás dessa ação? Jogar a comunidade escolar para dentro de escolas precárias e sem estrutura que garanta o mínimo de segurança é crime contra humanidade. Com COEs formados por professores e funcionários que não tem a formação técnica necessária para viabilizar um ambiente em condições sanitárias mínimas para uma pandemia. Porque é tão difícil de ver isso? Ou isso é sabido e ignorado de propósito? Não há prevenção contra esse vírus, nem mesmo depois da vacina poderemos relaxar nos cuidados!
Esse genocídio calculado diz que nossas vidas são descartáveis e que podem ser substituídas. Diz que podemos morrer e que o governador e prefeitos vão correr o risco de nos matar sem nenhum constrangimento. Assassinos. Genocidas. Não me formei professora para morrer na sala de aula para que abastados continuem explorando os pais dos alunos que ensino.


Edição 244 de março de 2021

É NO EMBALO DA PRAIA QUE EU VOU...

Muitos anos de parceria, debates, produções, discordâncias, apoio mútuo... quase 50 anos de vida, uma vida inteira dedicada a arte e a música. Muitas canções embalaram nossas vivências. E nesse embalo de marés boas e ruins, a pior delas levou o Maresia. E ele foi, sem volta. Inacreditável. Estúpido. Violento. Uma ressaca bravia arrastou artistas de muitos cantos desse litoral e do nosso estado para uma tristeza profunda.
O repuxo só não levou as preocupações íntimas e reincidentes que perduram em toda a vida dos artistas: como viver de arte num mundo que não valoriza e não respeita os artistas como trabalhadores. Poucos entendem como é dolorido ver um irmão de arte perder a vida em circunstâncias tão distantes do fazer artístico. Acredito que só artistas compreendem isso, de verdade.
Artista quer viver de arte, da sua arte. Quer cantar, dançar, escrever, tocar. Quer ser valorizado e pago por seu trabalho de tornar a vida menos cinza.
Porque é isso que um artista faz, torna a vida colorida, e mais do que nunca estamos vendo e vivendo isso. Estamos consumindo arte para suportar a dor da pandemia, a solidão do isolamento, para dar leveza á dureza da vida.
Ainda assim, não enxergamos o artista a frente desse nosso conforto.

Hoje, é a vida da arte que está dolorida, acinzentada, mergulhada mais uma vez no pesar de perder um artista. Sabemos que a arte curandeira, vai tingir de vida nossas vidas de novo, a arte é eterna. Mas a perda será também, eternamente, irreparável.
Salve Maresia, salve poeta. Aqui, estamos presentes.
No embalo da praia seguimos cantando tua arte e tuas sabenças, saudosos. Certos de que cada vez que as flores amarelas surgirem nas dunas, a maresia e o vento mandadeiro vão nos mostrar que tua arte permanece viva... Se foi o cantador de histórias de amor.
No embalo da praia, ele foi cantando e batendo tambor...