![]() |
EDIÇÃO 253 / AGOSTO / 22 |
![]() |
Hoje acordei com saudades dos tempos em que eu fazia parte dos acontecimentos que agora pertencem à história cidreirense em especial ao que acontecia aqui pelos arredores da velha Arroio. Dias atrás, alguém me confundiu com meu irmão Nei que era o mais velho da turma e tocava uma sanfona como poucos. Vale dizer que meus pais eram músicos e esse DNA parece que irá ficar ativo ainda por várias gerações, pois meu neto Lorenzo desde os dois anos brinca com a música usando seu ouvido absoluto. Eu também gosto de música e tenho o hábito de literalmente arranhar um violão e me arriscar num sintético teclado. Dito isso, a saudade de hoje me fez recordar do Leonardo, seresteiro das madrugadas cidreirenses, que era convidado todo dia para cantar e tocar seu violão em jantares e festas. O pai do Leonardo era conhecido aqui na Arroio como Capitão Lauro e também tocava um violão muito bem. As tardes e noites depois de muitas batalhas do jogo de canastra, Capitão Lauro tocava e cantava as músicas que faziam sucesso na voz Nelson Gonçalves. Meu outro irmão chamava-se Benhur e ele tinha uma mente prodigiosa. Ele era capaz, entre outras coisas, de usar sua memória fotográfica para decorar, por exemplo, todos os telefones de um catálogo da Cia Rio-grandense de Telecomunicações. Benhur também tinha o hábito de anotar numa caderneta, muitas frases que eram ditas pelo Capitão Lauro que além de fã e cantor das músicas do Nelson Gonçalves, fazia frases especiais para traduzir pernosticamente seus sentimentos em ocasiões especiais. Lembro-me de uma tarde em que uma partida de canastra estava muito disputada e o Capitão Lauro soltou essa frase: “Esses cartões coloridos e numéricos estão inflando meu frágil recipiente escrotal”, ou seja: ele estava dizendo que a má sorte das cartas do baralho estavam lhe enchendo o saco. Ainda nessa rodada de canastra, alguém perguntou ao Capitão se ele não iria soltar na mesa uma determinada carta. Ele sem tirar os olhos do baralho disse: “Não vou considerar o uso de um pedaço de madeira” e depois berrou, se não entendeu, nem a pau! Outra vez, ele saindo de fininho de uma roda de amigos, o vi dizer o seguinte: “vou afastar meu pequeno equino da precipitação pluviométrica.” E como sempre acontecia ele traduzia para “vou tirar meu cavalinho da chuva” ok? Num sábado à tarde, a gurizada disputava uma pelada na Arroio que na época não tinha pavimentação. Apesar de ser uma partida entre amigos na areia e de pés descalços, a turma estava exagerando nas divididas e disputas pela bola. Foi considerado então a aceitação tácita do Capitão Lauro em servir de árbitro para conduzir a partida. Putz! Até eu estou sendo pernóstico. Já o Capitão Lauro largou essa preciosidade. “Nunca! Nem que a fêmea bovina tenha violentas contrações laringo-bucais. Traduzindo: “nem que a vaca tussa”!”. Assim a vida passava aparentemente mais calma e lenta na Arroio mas isso não quer dizer que não acontecia vez por outra algum arranca rabo entre vizinhos e amigos por conta do efeito etílico, até porque num desentendimento entre Capitão Lauro e seu cunhado Dindinho Maninho, (pinguço assumido) o Capitão largou a melhor de suas frases que foi a seguinte em relação ao cunhado. -Dindinho, o orifício corrugado localizado na parte ínfero-lombar da região glútea de um indivíduo em alto grau etílico deixa de estar em consonância com os ditames referentes ao direito individual de propriedade! Ou seja: ânus de bêbado não tem dono! Éramos marisqueiros felizes e isso é o que importava. Eu, Wilson Menezes de Freitas, marisqueiro raiz, espero estar com vocês na próxima edição do nosso brilhante metódico O Marisco. |
EDIÇÃO 252 / JUNHO / 22 |
![]() |
A CABINE DA ANTIGA CRT Cidreira a pouco mais de trinta e quatro anos atrás vivia momentos que ficariam para a história. A pequena e bucólica praia já figurava como local preferido de veraneio e descanso de tradicionais famílias gaúchas. Famílias estas que eram reconhecidas como proprietárias de grandes fortunas oriundas de impérios industriais que forjaram a atual indústria e comércio gaúcho. Foi uma época em que alguns ilustres cidreirenses confabulavam a boca pequena sobre a futura emancipação de Cidreira. Entre as muitas pessoas que já haviam fixado residência por aqui, tinha a Dona Amélia, mãe de uma das gurias da nossa turma e que era nada mais nada menos do que a telefonista da base telefônica de Cidreira e da região. A CRT (Companhia Rio-grandense de Telecomunicações) ficava na Mostardeiros ali próxima a esquina da João Neves e a antena da base ficava num imenso poste de concreto bem no meio da calçada central da Mostardeiros. Posteriormente a antena foi transferida para o local onde se encontra até o presente, Ela é vista facilmente para quem estiver na frente da Prefeitura olhando para o lado da praia. As ligações telefônicas eram realizadas numa sala com frente para a avenida onde havia um balcão atendido por Dona Amélia que como telefonista preparava as chamadas. Estas, quando completadas, eram transferidas para uma de diversas cabines que havia no local e onde o usuário então se comunicava com o resto do mundo. Essa era a única maneira de as pessoas, aqui de Cidreira, se comunicarem, naquela época por via telefone. Ninguém falava ainda em telefones celulares e muito menos em rede sociais. Aliás, aqui em Cidreira havia uma pequena indústria de redes. Redes de pesca muito conhecidas por todo país pela qualidade com que eram produzidas na Arroio pelo exímio fazedor de redes de pesca o João Crã. Já que falamos de comunicações telefônicas, CRT, redes de pesca etc. cabe perguntar: E Dona Amélia? Pois devo dizer que nós, que éramos amigos de Dona Amélia, fomos os primeiros usuários da uma primeira Rede Social, que eu me lembro de ter usado para saber sobre os demais cidreirenses. Dona Amélia sempre guardava com sigilo absoluto o que era dito nas ligações. Porém, as amigas das amigas mais chegadas da Dona Amélia acabavam sabendo de muitas coisas cabeludas ou surpreendentes dos cidreirenses usuários dos serviços da CRT. Como amigo particular de Dona Amélia posso dizer que eu tive a oportunidade de receber informações privilegiadas sobre a vida de nossa Cidreira. Hoje lembro com carinho de Dona Amélia, o nosso "Telegran" ou "Whats" dos anos oitenta. Também poderia dizer que ela era o "Facebook" da época em que Cidreira era referência gaúcha de localização por causa do Bar João. Muitas vezes eu em viagem de férias pelo mundo perguntava por brincadeira as outras pessoas se elas poderiam me informar como eu poderia chegar a Cidreira. Pois acreditem que muitas vezes alguém me dizia saber que a Capital Porto Alegre ficava próximo ao Bar João em Cidreira! Talvez eu aumente o causo mas não invento até porque me chamam de Wilson M Freitas e sou apenas um marisqueiro raiz que gosta por demais desse pequeno e lúdico trecho de terra e areia no garrão da Serra do Mar entre o mar e lagoas. Pela "rede" Marisco aguardo me reencontrar com todos na próxima edição de O Marisco. Até lá. |
EDIÇÃO 251 / MARÇO / 2022 |
![]() |
Olá Marisqueiros. Se agora o mundo todo está preocupado por causa da sessão de mãos nos beiços entre Ucrânia e Rússia, lá pelos anos sessenta e setenta o mundo se preocupava por que Rússia e Estados Unidos trocavam farpas no que se chamava "Guerra Fria" e havia uma ameaça de guerra atômica coisa que não é descartada nos dias de hoje. Aí eu acabo lembrando que nos tempos de guerra fria aqui no território cidreirense havia muitos marisqueiros cidreirenses que tinham uma vontade muito grande de trançar ferros com a marisquerada de Capão, Tramandaí, Torres ou qualquer outra praia aqui do litoral do Rio Grande que disputasse o Campeonato Praiano de Futebol. Vale dizer que Cidreira representada pelo CPC ou pela SAPC, foi várias vezes campeã do praiano. O time do CPC inclusive foi convidado e fez uma preliminar no estádio Beira Rio na época de sua inauguração, acontecimento muito valorizado nas rádios, jornais e na TV Piratini. Naqueles tempos, as rivalidades também causavam ameaças e eram discutidas sem a violência de agora. É claro que aconteceram muitos encontros em locais previamente marcados, para que a marisquerada acertasse as contas. Em razão talvez da proximidade física entre Cidreira e Oásis, que na época tinha uma equipe que fazia bonito nas competições praianas, não foi uma, mas foram muitas vezes que no calor das disputas futebolísticas o pessoal trocasse algumas gentilezas verbais e outras nem tanto a ponto de ao menor descuido dos árbitros, e um bico na canela de alguém causava o tradicional não me empurra, tua mãe é uma santa, vou te quebrar a cara e outras amabilidades que colocavam as torcidas em pé de guerra por causa do que acontecia dentro da quadra de areia durante as partidas. Certa feita aconteceu que Oásis veio disputar uma partida aqui em Cidreira contra o timão do CPC e venceu a partida. O pessoal de Oásis não perdeu a oportunidade de zoar ao máximo com a marisquerada cidreirense. A tristeza que tomava conta dos torcedores cidreirenses foi se transformando em impaciência e o pessoal de Oásis não dava trégua. Tanto que quando resolveram retornar para Oásis uma delegação cidreirense resolveu se despedir do pessoal de Oásis que voltava para casa pela beira da praia. O encontro aconteceu próximo as Cabras na beira mar. A turma de Cidreira que vinha embalada, esparramou a turma de Oásis para todos os lados e a consequência é que a beira da praia se transformou num imenso ringue onde o golpe mais usado era o de tentar acertar o adversário a longa distância. Como ninguém acertava ninguém, um cidreirense resolveu por mais ação na peleia. Armou uma corrida e deu uma voadora na direção de um pequeno grupo de Oásis que procurava se defender. O grupo se abriu e o cidreirense literamente entrou em órbita descontrolada, porém na passagem do seu vôo, o cidreirense ainda conseguiu acertar a orelha de um adversário com um improvável impacto de cotovelo que fez o outro no mais perfeito estilo cata cavaco, de cair de boca na areia. Como nada contraria as leis da Física, o cidreirense precisava voltar para terra, no caso, voltar para a areia. Quando chegou ao solo foi recepcionado com chutes, socos, pontapés do grupo rival. A sorte foi que a "cavalaria" cidreirense estava atenta ao arranca rabo e tratou de fazer uma investida mais forte pelo flanco do grupo de Oasis. O entrevero que já estava acirrado se transformou numa batalha na areia onde valia areia nos olhos, no nariz e em outros orifícios menos nobres além de farta distribuição de mata cobras, bofetadas, socos e mão nos beiços em qualquer quantia. Não se sabe quanto tempo durou a batalha; Entre feridos e machucados, salvaram-se todos. No dia seguinte aqui em Cidreira, houve um desfile de esparadrapos, bandagens, olhos roxos, gente mancando e todos cantando a vitória. Perdemos no jogo, mas ganhamos no pau era a frase mais dita. Pouco se soube sobre o pessoal de Oásis e a rivalidade permaneceu até que não mais foi disputado o Praiano de Futebol. Eu sou o marisqueiro Wilson M de Freitas e dou um até logo esperando nosso reencontro no próximo O Marisco. |
EDIÇÃO 250 / JANEIRO / 2022 |
![]() |
É dito que recordar é viver, e assim vivo recordando dos meus vizinhos aqui da Av. do Arroio. De uma época que não havia em Cidreira alguma rua pavimentada com asfalto e as poucas vias com calçamento irregulares eram as ruas centrais. Dona Lili, Assis e João eram meus vizinhos e eles foram talvez os primeiros moradores fixos aqui da Arroio. Dona Lili pouco saia até por que ela gostava mesmo era de estar em casa atendendo os filhos. Assis era pintor e ganhava a vida pintando os abundantes chalés de madeira, muitos deles com nomes como a Cabana do Pai Tomaz, Rancho da Cachaça, Vila Maricleia, Sítio da Vovó, Sítio do Sossego e muitos outros nomes que serviam como referência de localização. Nessa época o João que era mais moço que o irmão Assis, já era pescador e conhecia como poucos os segredos e macetes do mar para uma boa pescaria. Além de pescador, João era um exímio fazedor de redes de pesca. Seu trabalho era de tal perfeição que era comum se ver pessoas de outras praias do estado e até de Santa Catarina vir comprar as suas redes feitas para diversos tamanhos de peixes ou trazer para conserto alguma rede. Muitas vezes eu escutava: “- Virço chega aqui!” Virço é como a Dona Lili e o João costumavam me chamar, e lá ia eu ver o que estava acontecendo. Normalmente era o João que precisava de uma ajuda para esticar e prender uma corda ou linha que ele usava para fazer ou estender suas redes. Terminada a ajuda, João sempre tinha um caso de pescaria pra contar. Ou me contava sobre pescarias passadas ou quase sempre sobre a pescaria da madrugada, pois João todo dia madrugava para pescar e sempre trazia peixes para Dona Lili preparar para o almoço. Outro vizinho que lembro bem era o Dindinho Maninho. Nunca soube o nome de batismo do Dindinho e o complemento Maninho era como sua irmã a Dona Maria assim o chamava. O Dindinho não tomava líquido nenhum entre um copo e outro de caipirinha. O problema era que o tempo entre um copo e outro de caipirinha não era maior que poucos segundos. Naqueles tempos o Arroio que corria aqui em frente as casas não era canalizado como agora e a gurizada até se reunia para pescar nas suas águas. Era muito comum o Dindinho lavar uma de suas canecas que ele usava para fazer a salmoura para o churrasco. Ele até dizia que o mar era salgado de tanto ele lavar sua caneca nas águas do Arroio que depois de passar aqui em frente às casas, fazia uma curva ali perto da Nossa Senhora da Saúde quando então seguia atravessando a praça central e a Mostardeiros para desaguar no mar ali ao lado do Edifício Alvorada como faz até hoje, mesmo canalizado. Dindinho só causava preocupação quando o Grêmio, seu time do coração, perdia uma partida. Se seu Grêmio perdia um Grenal então, o Didinho continuava tomando caipirinha só que nessas ocasiões em doses cavalares de uma tal de azulzinha vinda de Santo Antônio da Patrulha e que era vendida pelo Bar Natal. Sobre o Bar Natal, é preciso que todos saibam que ele era o único estabelecimento da praia de Cidreira onde se podia comprar desde o alfinete ao motor de avião a jato passando por gêneros alimentícios, bebidas, artigos de vestuário e também alguma pomada de obscura procedência que curava bicheira, mau olhado, nervo torcido, fratura exposta, dores lombares etc. Como eu dizia, quando o Grêmio perdia, o Didinho sempre acabava com sentado na escada de sua casa até cair de costas para dentro da varanda onde ficava deitado e monitorado pelos outros vizinhos até o momento em que voltava a um estado de lucidez. Quando ele então “acordava” a frase era sempre a mesma: Estou pronto para outra. Ele levantava-se, entrava na sua cabana e imediatamente ia até a cozinha onde preparava mais uma caipirinha para repor o equilíbrio causado pela derrota do seu time. E assim a vida da velha Cidreira as margens do Arroio, continuava como sempre era entre os chalés de madeiras sem cercas que delimitassem onde ficava a divisa entre os terrenos de vizinhos. Os dias se repetiam com a tia do sonho passando pela frente das casas batendo com relho na lateral da carroça e gritando “Olha o pão! Olha o sonho!” ou algum vendedor de sorvetes empurrando um pesado carrinho de sorvetes que ficava mais pesado ainda na areia e que apesar disso gritava “Kibom, que bom!”. Pena que a velha e pacata Cidreira mudou deixou de ser aquele recanto de mar onde a vida parecia ter parado no tempo. Eu sou o marisqueiro raiz Wilson Menezes de Freitas, morador da Vila Maricléia e espero retornar e reencontrar todos na próxima edição do poderoso Marisco. Fui! |
EDIÇÃO 249 / NOVEMBRO / 2021 |
![]() |
A década de 60 do século passado foi agitada no planeta terra. E claro que aqui em Cidreira, a cada verão, e entre uma e outra caipirinha haviam os mais variados assuntos para serem tratados pelos veranistas e os poucos moradores que habitavam principalmente a Vila Sapo. Novos moradores começavam ocupar os terrenos nas ruas que surgiam entre os cômoros de areia, cada vez mais distantes da beira mar. Não custa lembrar que a filosofia “hippie” surgia entre os mais jovens e por aqui a gurizada começava amar os Beatles e os Rolling Stones. Na capital alemã era erguido o Muro de Berlim e aqui em Cidreira eram erguidas as primeiras cercas entre os quintais. Cidreira deixava de ser de Osório e passava a ser de Tramandaí em 1965. No mundo, o presidente americano Jonh Kennedy era assassinado, e a guerra fria não tinha nada de fria, pois fervia pelo mundo. E no final da década um ser humano pisava pela primeira vez em solo lunar, enquanto em solo cidreirense, já se falava em emancipação política. Nos anos 60 se deu início ao período do governo militar e acreditem, em nossa região tínhamos até governantes “biônicos” escolhidos “democraticamente” por militares. Naqueles tempos bicudos, existia em Cidreira uma sala de cinema. Eu sempre amei o cinema, aquele de tela grande onde assistíamos o 007 fazer coisas fantásticas. No nosso cinema, que se localizava na Osvaldo Aranha, não tínhamos os filmes do 007 nem outros filmes famosos, mas nos era oferecido na maioria das vezes filmes nacionais em branco e preto. Muitas comédias e filmes de terror eu vi na tela do nosso modesto cinema. Em suas primeiras sessões, não haviam cadeiras para os frequentadores. Quem ia ao cinema levava sua própria cadeira ou assistia as sessões sentado no chão ou em pé encostado nas paredes laterais da sala cinematográfica. Lembro que faziam sucesso os filmes do José Mojica Marins. Mojica produzia filmes de terror com baixo orçamento e com efeitos especiais nada especiais, mas causavam grandes sustos em quem assistia. A nossa sala de cinema anunciou então um filme do Mojica intitulado “A Meia Noite Levarei Sua Alma”. As sessões foram lotadas, e o cinema inclusive já tinha uma meia dúzia de fileiras de cadeiras que eram disputadas quase que a tapas pelos frequentadores. Quem sobrava ficava em pé, menos os prevenidos que continuavam a levar uma cadeira de casa para a sessão. Havia naquela época problemas frequentes na rede elétrica de Cidreira. A luz era produzida por um gerador movido a combustível fóssil e pôr vezes a escuridão total dentro do cinema era coisa normal por problemas na rede elétrica. No dia em que fui assistir o badalado filme de terror, não levei meu banquinho de madeira confiando que assistiria sentado nas novas cadeiras do cinema. Ledo engano. Quando cheguei quase fui barrado na entrada causo a lotação acima do previsto na sala. Consegui entrar e me posicionei numa das laterais da sala de cinema e tendo que assistir todo filme sem sequer me encostar numa parede para aliviar os pés. Sucedeu que justamente numa cena muito escura e assustadora e com a platéia olhando apavorada para tela que eu senti algo macio e peludo se movendo entre os meus pés (todos iam ao cinema de bermudas e chinelos). De imediato parece que toda platéia que lotava a sessão gritava em desespero ou medo enquanto um animal peludo ao que parece, corria por baixo das cadeiras do cinema que ainda não estavam presas ao chão. As pessoas que estava na primeira fileira de cadeiras se levantaram em sincronia no exato momento em que na cena do filme alguém era escalpelado ao vivo em meio a gritos arrepiantes. Uma frequentadora idosa começou a pular e mover as suas pernas e braços em todas as direções enquanto toda primeira fileira desabava sobre a segunda fila de cadeiras que caiu sobre a terceira e tudo desabou até a última fila. Como um rebuliço é grande até surgir outro maior, eis que nesse exato momento a luz apagou e alguém no meio do caos deve ter se segurado em uma cortina que se desprendeu da parede trazendo para o chão metade da decoração que ficava no teto do cinema. As cenas seguintes foram de pessoas apavoradas que corriam porta a fora do cinema juntamente com um gato preto mais assustado que todas as pessoas. O bichano desapareceu em meio a escuridão da noite pela Osvaldo Aranha na direção a Igreja N. S. Saúde e teve até quem viu o felino cruzando o arroio que havia ao lado da igreja num salto espetacular. Na manhã seguinte quando sentei a mesa para o café matinal, senti em meus pés o meu gato Negão fazendo com que eu sentisse o mesmo “encosto” que senti no meio da turbulenta sessão cinematográfica de terror na noite anterior. E podem crer que dias depois eu estava assistindo na TV Piratini, um programa de entrevista com o José Mojica e não é que o Negão ficou com o pelo todo arrepiado como estivesse vendo uma alma penada! Eu conto e não invento. Sou Wilson M Freitas e se há algo que eu desejo é encontrar todo marisqueiro na próxima edição do nosso O Marisco. Até lá! |
EDIÇÃO 248 / AGOSTO / 2021 | ||
FOGO AMIGO A esquina das ruas: João Neves com a Getúlio Vargas, já foi o centro comercial aqui da região de Cidreira, nos tempos em que ainda se vendiam guaraná fechada com rolha de madeira e as últimas casas aqui da região central ficavam na altura da antiga Avenida do Arroio. Na referida esquina havia um posto de combustível e o Armazém Natal. Neles o viajante, veranista ou morador, podia comprar desde utilidades domésticas e alimentos até motor de avião além de consertar pneus. Na Getúlio ao lado da atual Farmácia Municipal há um prédio onde os Irmãos Bertussi, músicos reconhecidos, fizeram dele um hotel que posteriormente ficou conhecido como Apart Hotel Comodoro de propriedade do meu amigo João Bastos. Seu João então com o intuito de agitar o período de baixa temporada aqui em Cidreira, pensou e criou um anexo ao hotel, ao qual deu o nome de Boate Comodoro. Nos embalos dos sábados e fins de semana, sempre as noites cidreirenses por aqueles anos foram agitadas nas proximidades das ruas João Neves e Getúlio Vargas. Nesse embalo o meu amigo e advogado Iossel Volquind, o judeu mais árabe que eu conheci, fez numas das dependências no térreo do Apart Hotel Comodoro um restaurante que servia requintados pratos com nomes desconhecidos para muitos dos frequentadores. O garçom oficial desses estabelecimentos era outro amigo de todos nós o Sinval. Além da simpatia peculiar, era amigo para todos as horas. Trabalhou nos mais renomados bares e restaurantes da praia como o Bar João, Porto Belo e em muitos eventos oficiais. |
O Coronel e demais convidados reprovaram a brincadeira do Cabeça, mas a Lili riu muito do incidente enquanto Juca parecia indiferente. O Sinval acostumado a tratar com os mais diferentes tipos de pessoas em princípio não deu muita atenção ao caso, porém o Cabeça não se conteve. O Sinval passava novamente pela mesa dos visitantes e dessa vez carregando duas bandejas carregadas como sempre. O Cabeça desta vez, nitidamente mediu a aproximação do Sinval e num movimento rápido saiu de sua cadeira e deu com o ombro no peito do franzino Sinval que foi jogado para traz como estivesse tentando dar um duplo mortal carpado de costas, mas para o espanto de todos, o Sinval permaneceu de pé e com suas bandejas equilibradas. Dessa vez o Sinval subiu nas tamancas e partiu para cima do Cabeça que contava com a parceria dos amigos caso houvesse um arranca rabo. O Sinval chegou até o Cabeça que estava retornando para a mesa e ao se aproximar bateu numa garrafa que caiu derramando o líquido na roupa da Lili que aí não gostou do incidente. O Cabeça pegou a garrafa e tentou acertar o Sinval no rosto. Sinval como um raio fez um movimento com a sua cabeça livrando-se da garrafada que foi atingir a nuca do indiferente Juca que com o impacto mergulhou a cabeça na fervente travessa de Paella. Em desespero O Juca cego por restos de camarão, cebolas e pimentões apimentados encontrou uma ponta da toalha da mesa e levou ao rosto para limpar os olhos ao mesmo tempo que escorregava no líquido derramado da garrafa e caía sobre a Lili trazendo consigo tudo que estava sobre a mesa como o que sobrou da Paella mais as saladas, garrafas, copos e taças além dos talheres e pratos de diversos tamanhos que ficaram esparramados sobre os dois. Coronel em desespero pulou para cima do mau caráter do Cabeça segurando-o num apertado e sufocante mata-leão fazendo com que o Cabeça perdesse totalmente os sentidos. Coronel que parecia não gostar de confusão, não suportou o peso do Cabeça e por razões desconhecidas acabou tento um mal súbito que o fez se esborrachar abraçado ao Cabeça sobre o que sobrou do Juca e da Lili, da mesa e das cadeiras. Foi ou não foi só fogo amigo que acabou com a petulância dos viajantes. Sou Wilson M Freitas um marisqueiro raiz que pretende estar com todos demais marisqueiros na próxima edição de O Marisco. Até lá. |
EDIÇÃO 247 JULHO / 2021 | ||
O CHURRASCO TURBULENTO A Av. do Arroio ainda não era pavimentada e as últimas casas ficavam próximas onde hoje se localiza o Ponto de Cultura Flor de Areia. Na quadra entre a João Neves e a Osório tinha alguns moradores fixos, como a Lili e seus filhos: João Crã e Assis. Havia também o pequeno armazém do seu Hélio e da Dona Beatriz, mais conhecida por Dona Beata. A Lili quanto chegava o verão, gostava muito de visitar as amigas veranistas. O Assis fazia a pintura das casas aqui da região, que tinham como característica serem todas de madeira e apoiadas sobre estacas. Não haviam cercas que separassem as casas e a única referência entre uma propriedade e a outra era uma estaca de madeira colocada na parte da frente dos terrenos. Todos respeitavam o espaço dos vizinhos e por vezes até à estaca que separava os terrenos sumia no piso de areia fazendo com que o pessoal da Agro Territorial Cidreira viesse medir e recolocar nova estaca para separar os quintais. Entre os veranistas que tinham casa entre a Osório e João Neves, na Av. do Arroio, lembro do Didinho Maninho, irmão de Dona Loti, que era casada com o Tata ou Luiz Quintal da Fontoura, que era irmão do Capitão Lauro, que era casado com Dona Maria e que eram pais do Leonardo, exímio violeiro, que era chamado por todos que tinham casa na praia para fazer serenatas. A casa do Tata tinha o nome de “Cabana do Pai Tomaz”. Ao lado fica até hoje a vila Mariclea, do Capitão Menezes e da Dona Ury no caso os meus pais. Essa velha guarda deixou uma saudade imensa. Vivos nos dias de hoje estão eu, minhas irmãs, e o Assis. Agora se você quer saber sobre o turbulento churrasco, vou lhes contar. Meu pai mandou construir nos fundos de nossa casa uma área fechada em alvenaria com um pequeno banheiro, tanque e uma churrasqueira. Da churrasqueira, pela porta que saía para o nosso pátio, eu podia ver a parte de trás da Cabana do Pai Tomaz, onde havia um pequeno espaço que separava a cabana dos cômoros que naquela época, indicavam o fim da zona urbana. Nesse cenário, num verão, eu estava fazendo um churrasco quando os nossos vizinhos chegaram para a temporada e trouxeram uma churrasqueira daquelas feitas de tonel que foi prontamente instalada no espaço entre a casa dos vizinhos e os cômoros. Enquanto ajeitavam as bagagens, o Tata iniciou os trabalhos de preparação de um churrasco, já que todos estavam com fome e cansados da viagem. . |
![]() |
|
Eu assando nosso churrasco observava a movimentação na casa ao lado. Passado algum tempo nosso churrasco estava pronto, enquanto o da churrasqueira do Tata mal começava dourar. Quando fui pegar nosso último espeto notei que ninguém estava cuidando do churrasco dos vizinhos. Como já havia dito antes, não havia cercas entre nossas casas e eu peguei todos os espetos da churrasqueira do Tata e coloquei na nossa churrasqueira onde havia ainda um braseiro aceso. Feito o “roubo” fui saborear os últimos pedaços de carne do nosso churrasco esperando o que ia acontecer. Não demorou e ouvi alguém falar em voz alta reclamando porque tiraram o churrasco se nem assado estava. Em seguida, alguém gritava a plenos pulmões que o churrasco foi roubado e uma confusão se armou, uma parte dos vizinhos achava que o Tata estava brincando. Dona Loti, quase que num ataque de fúria dizia que o churrasco havia sido roubado. Estabelecida a confusão, foram para a frente de casa e casualmente uma pessoa passou correndo lá na esquina que fica nos fundos da Igreja N. S. da Saúde. Dona Maria já gritou para o seu Lauro para ele correr atrás daquele safado pois só podia ser ele o ladrão de churrasco. Além do Seu Lauro, todos vizinhos partiram em uma desabalada carreira para alcançar o sujeito. Me disseram que o sujeito quando viu aquele bando de esfomeados correndo aos gritos na direção dele, parece que ligou o modo turbo e virado em pernas sumiu em desabalada carreira pela Osvaldo Aranha. Ninguém sabia onde o sujeito se escondeu. Eu aproveitei a ausência, peguei todos espetos roubados e coloquei todos de volta na churrasqueira de tonel que essa altura estava com um braseiro dos bons e assando carne, linguiça e frango. Claro que o primeiro que chegou depois da correria e gritaria pela Arroio foi direto até a churrasqueira e aos berros prometia matar quem fez a devolução do churrasco. Uns acusavam aos outros de ser o autor da trapalhada que poderia terminar numa sessão de mãos nos beiços sem motivo. Eu, por questão de segurança a minha própria vida, nunca contei a verdade e se me perguntassem eu negaria tudo, afinal sou o marisqueiro Wilson Menezes de Freitas e se não fizesse o devido silêncio, certamente não iria me encontrar com os demais leitores do Marisco na sua próxima edição. Até lá |
EDIÇÃO 246 JUNHO / 2021 | ||
LIQUINHO Olá marisqueiros, vamos para mais um acontecimento histórico de Cidreira e sua gente. Cidreira já estava emancipada lá pelos anos 1990, mas ainda era dependente de Tramandaí ou de Osório. Aqui não havia agência bancária, delegacia de polícia, cartório nem a Prefeitura tinha prédio próprio e o atendimento a saúde dos cidreirenses era por parteiras, por algum médico veranista, ou pelo pessoal que trabalhava nas primeiras farmácias que por aqui se estabeleceram.
|
![]() |
|
Em uma noite com muita maresia os soldados retornavam do Pinhal, que na época era bairro de Cidreira, quando o policial que dirigia o fusca viu numa das transversais da Mostardeiros o deslocamento de uma pessoa suspeita que caminhava juntamente com um cusco em direção aos cômoros. O elemento parecia carregar um botijão de gás. Imediatamente o policial manobrou a viatura em direção ao sujeito que de imediato foi reconhecido pelo brigadiano como sendo o Liquinho. Este sentindo a aproximação do fusca, de imediato soltou o botijão e continuou caminhando como se nada tivesse acontecido e até fazia gestos como estivesse falando todo animado com o cusco companheiro. Os brigadianos pararam a viatura no lado do Liquinho que se fez de surpreso. Os brigadianos na aproximação desceram da viatura e deram boa noite para o Liquinho que logo respondeu sorridente com outro boa noite. O brigadiano então perguntou para Liquinho para onde ele ia e sobre o botijão que ficou alguns metros atrás. Liquinho então respirou fundo e disse: |
Edição 245 de abril de 2021 A PEQUENA HISTÓRIA DO CID E DA JÚ Olá marisqueiros, vamos para mais um acontecimento histórico de Cidreira e sua gente. Hoje vou contar sobre um fato ocorrido lá no século passado quando nossa Cidreira vivia seus primeiros anos de emancipação. Por aqui haviam poucos moradores fixos e talvez por essa razão todos se conheciam. Entre esses amigos, havia o Cid e a Ju, que eram um pouco mais velhos do que eu, e já eram casados. Foi por aquela época que o Presidente Ari Rios do Cidreira Praia Clube sugeriu ao casal fazer uma grande festa no CPC, para comemorar mais um aniversário de casamento. No dia seguinte, a festa e por muito tempo depois, a comemoração foi assunto comentado na cidade. A festa transcorreu durante a noite toda. Foi com o dia raiando que a Ju resolveu radicalizar, fazendo para o Cid uma exigência, um tanto comprometedora. Não é preciso dizer que os efeitos etílicos do casal e convidados era muito grande. Mas ninguém deixou de perceber quando a Ju em alto e bom som exigiu que o Cid deveria levá-la a uma daquelas boates. O fato é que o Cid algum tempo antes havia prometido a Ju e ninguém se importou com a exigência da Ju, pois isso pareceu ser algo de foro íntimo do casal. Tempos depois fiquei com aquela curiosidade de saber como ficou o assunto da Ju e da casa da luz vermelha. A oportunidade se deu quando em um domingo, o Cid e o Nei que era meu irmão mais velho se encontraram no CPC, e meu irmão o convidou para almoçar. Sempre aos domingos, meu pai colocava uma carne para assar e o Cid em retribuição ao convite trouxe um garrafão de Sangue de Boi. Umas caipirinhas finamente preparadas com aquela combinação de água que passarinho não bebe vinda de Santo Antônio, mais limão, açúcar e gelo, serviam como companhia aos aperitivos que precediam ao churras dominical. A oportunidade era propícia para matar minha curiosidade então perguntei ao Cid que história era aquela da Ju intimá-lo para ela ir a um puteiro. Cid riu muito e começou a narrativa do dia que resolveu cumprir a promessa feita para a Ju. Por pouco não perdeu para sempre a mulher naquele dia, pois de cara quando chegou na boate que existia aqui na região, o porteiro todo sorridente foi dizendo: “- Aí Cid, tudo tri?” A Ju já fez uma careta e aquele olhar fulminante que pedia uma explicação urgente. O Cid disse que o porteiro era o Pelanca, um parceiro dos jogos de bocha e que ele fazia um bico na boate para ajudar no orçamento doméstico. A Ju ficou calma, entrou na boate e até escolheu uma mesa para sentarem. Logo veio uma sorridente garçonete com um adereço de coelhinha na cabeça e uma cauda de coelho maior que o minúsculo biquini que vestia sob meias rendadas. |
![]() |
|
Edição 244 de março de 2021 O ALAMBIQUE DO SEU JUCA Lá pelo final dos anos 60, Cidreira ainda era apenas um distrito do município de Tramandaí. A RS 040 não era asfaltada e assim qualquer vivente vindo de Porto Alegre comia poeira desde Viamão até chegar aqui na praia. Havia muitos alambiques na beira da estrada e claro que cada um deles tinha algo a oferecer a mais que os outros, como modo de atrair a freguesia, que na maioria das vezes, eram aquelas pessoas que estavam em viagem para praia. Na altura do Rancho Velho tinha um alambique que era da preferência de meu pai. Estou falando do alambique do seu Juca, que era sempre muito cordial e tornou-se parada obrigatória. Lembro-me de um dia, na baixa temporada, o meu pai me convidou para vir até a praia para acertar uns concertos na nossa casa, a Vila Maricleia. Como sempre, paramos no alambique do seu Juca para comprar salame, queijo e pão caseiro, para consumir nos dias que ficávamos por aqui. É justo informar que naqueles tempos, em Cidreira, moravam poucas pessoas e o armazém Natal na esquina da Rua João Neves com a Getúlio Vargas era praticamente o único estabelecimento comercial de Cidreira. No armazém Natal podia-se comprar desde alfinete até hélice de avião, passando por panelas, pinicos, roupas, calçados, arroz, feijão, fumo em rolo, cano de fogão a lenha, bomba de água manual, fósforos, velas, lampiões, pás, martelos, parafusos enfim tudo que era usual naquele tempo. Mas o que nunca esqueci foi que nessa vinda, ao pararmos lá no seu Juca, o bolicho que ficava junto ao alambique estava movimentado, causo que era sexta feira, final de tarde e tive a impressão que todos viventes resolveram se reunir por lá. Estávamos aguardando o atendimento quando entrou um sujeito grande de altura e largura. Ele vestia uma bombacha surrada e uma camiseta sebosa pelo uso. Posicionou-se bem na ponta do balcão no mesmo instante que na outra ponta do balcão um baixinho com cara de fuinha fazia o mesmo. Parecia cena de filme de faroeste. Entre eles além de nós uma quantidade grande de pessoas também aguardavam seu atendimento. Foi quando o grandão deu um soco no balcão que causou quase um terremoto e disse com uma voz forte: “O Juca me serve uma cerveja senão!” O seu Juca fez uma cara que não gostou, mas parou tudo e serviu a cerveja para o sujeito como que dizendo “não quero me incomodar”. Não é que da outra ponta do balcão veio uma voz esganiçada pedindo uma cerveja também. Seu Juca continuou atendendo os demais quando estava quase chegando à vez de atender o baixinho de voz chata, outro soco estremecia tudo e o grandão disse: “Juca me dá mais uma cerveja senão!”
|
|
|